terça-feira, maio 13, 2008

Riding Pânico

Tomando do principio que possa existir a possibilidade de não haver qualquer sentido no simples padrão da razão comum a qualquer um... quando chegada a essa conclusão, já é tarde demais para qualquer lógica aceite pelos olhares mais condescendentes. E nesse instante, o abstracto domina quase que espiritualmente todos os significados da, á primeira vista, simples palavra: sentir.
Talvez seja complicado explicar como é deixar o corpo fluir sensorialmente sons, sob qualquer instrumento existente. É como drenar um pedaço de pensamento: abstracto e estranhamente realizador. Mas não será assim tão difícil apelar imperativamente a uma mente que se sinta, se faça sentir ou se deixe sentir. Se deixe ser. Pecado é nem saber o que isto possa querer dizer. Mas o que não há forma é de aprender a sentir, diz a mais estranha das lógicas.
Dá os goles que forem necessários. Água? Vodka? Não faço caso; o que te ajudar a engolir orgulho. Todo aquele que possa haver por qualquer dogma que não consigas explicar. Do mais social ao espiritual. Quando a dúvida surgir, porque irá certamente bater ao de leve nesta ou naquela parte do cérebro, convida-a a entrar. Tomem um chá, conversem. Existem até livros sobre desbloqueadores de conversa. Pode ser que por mero acaso se conheçam lugares nunca antes visitados; não fosse a dúvida uma vadia de mão macia.
Não existem dicionários, nem cursos apoiados em acetatos, mas sensações que formam ligações e ligações que geram sensações. Mesmo na situação de não haver necessariamente uma situação. Lugares. Pessoas. Pedaços de imagens que se fotogram mentalmente e momentos que accionam sentidos sem qualquer ordem. Sentimentos. Um crescendo em espiral. Infinitamente. Deveríamos de estar todos aqui para o mesmo, diz a conclusão após o chá com a dúvida.
‘ aproveite a nossa promoção ’, ‘ Já tem um ano e meio, e é tão bonita como a mãe’, ‘ próxima paragem: o que é que está a acontecer? ‘, ‘ já nas bancas ‘, ‘ Já deixou o voador mas ainda não se segura muito bem ‘, ‘ por si, oferecemos o melhor serviço ‘, ‘ próxima paragem: sem sentido ‘, ‘ Mas quando é que isso lhe aconteceu?’. ‘ Este mês a empresa ultrapassou o limite de capacidade de produção ‘, ‘ Ainda tenho que comprar o jantar ‘, ‘ É uma situação um pouco fora do vulgar ‘, ‘ Massa com quê? ‘, ‘ Temos uma equipa a tratar da situação mas’, ‘ Já estou com a massa até ao pescoço’, ‘ Teremos que aguardar mais estatisticas da segunda equipa em campo’.
Uma falta de controlo: pura e intensa; cheia de adrenalina. Ou então a não necessidade de controlo que nos apresenta lugar atrás de lugar. A gaveta dos adjectivos apela por aventura mas nesta, caso se decida aplicar tal palavra, não há fim á vista nem donzelas em torres guardadas por dragões. A vontade conduz. Não? Mas devia; Levar-te a ultrapassar a barreira do limite que possas conhecer. A sentir ambientes e silêncios. Até a tropeçar em madrugadas a caminho de um sitio para descansar. Em caso de dúvida, tomem um chá.
Não existe maior percepção temporal para além da que na fracção de segundo que se sorri, suspira ou até se respira, acontecem uma quantidade estupidamente ridícula de situações. Até o planeta se move. E não sendo um segredo de estado é, no entanto, um facto por vezes ignorado ou pior ainda, nem sequer pensado. Não é propriamente caso para exclusão social, mas talvez nunca seja demais lembrar que estamos rodeados de direcções que podemos tomar. A qualquer momento. A qualquer fracção de segundo.
Enquanto a cidade continua na sua constante agitação numa tarde de verão que traz vida a todas as ruas, nasce algures uma tarde de sexo ou amor; ou qualquer inesperada e espontanea situação que envolva a troca de sentimentos e sensações semelhantes ao intenso olhar apaixonado de duas criaturas. O sol muda de ângulo, o céu continua hipnoticamente azul e enquanto em todo o lado simultaneamente algo acontece, as divisões deixam-se invadir pela luz que tudo vê e deixa-se correr a água dos chuveiros. Abre-se a porta para se ouvir a cidade contar o que acontece na sua constante agitação de uma tarde de verão, para quem é claro, quiser ouvir. Para ver o rio correr, observar o lusco fusco aparecer, encontrar um jardim vazio, atravessar uma rua invadida por automóveis ou dar como reconhecido o facto de que a noite caiu e os lampeões ganharam vida. Conhecer as cores das estações de serviço vazias que contrastam com a noite. Rasgar a brisa amena das noites quentes em todas as direcções. Não há mais o que fazer senão agradar os fios ficticios sensiveis a qualquer sensação de qualquer situação. E quem sabe, a meio da noite já o sentido não faça sentido e nisso exista todo o sentido.

terça-feira, novembro 20, 2007

Alma

Só mais um, mas bem feito. Deixam-se as cores explodirem no céu e os corpos dormentes, por dentro fervilhem vida. Enquanto isso, soltam-se pensamentos que fazem com que outros nasçam. Gradualmente o verde da relva ganha vida até que tudo à volta viva. Até as gotas de água que tocam na pele e escorrem pelo rosto.
Porque sim. Não há qualquer tipo de agenda para que quase num toque divino os sentidos se dispertem e se dispersem. E é nesse momento que o desconhecido traz respostas, se existir a capacidade de levantar as questões. Tudo o resto são nuances.
De lado fica o convencional. Abre-se caminho para o abstracto ganhar sentido fora do contexto que fazer sentido tem. Por isso toquemos bem fundo, no canto mais escuro da mente, onde permanence uma barreira que nos obriga a reflectir verdadeiramente. No silêncio, que parece levantar todas as questões. Até as mais simples, que são as que se conseguem tornar mais complexas, não tivessemos nós a infinita capacidade de tomar tudo como garantido. Não optemos pelo egoísmo de condenar o que julgamos compreender.
Se existissem árvores, o vento quebraria este silêncio para que todas elas se tocassem, quase como sexualmente, folha a folha. E o céu mudaria de tom, do mais azul ao violeta à medida que a nossa percepção viajasse por este fluído gasoso, transparente e invisível. É nesta serenidade estranhamente estimulante que nos deixámos ser e nos unimos. De nada vale fugir á vontade pura de ser. Saudável é não prender a necessidade de encontrar o que nos inquieta.
Carinhosamente, os dedos sentem-se à distância em pequenos toques que por todo o corpo libertam uma descontracção quase eléctrica. As palavras que se tocam rebentam como bolas de sabão. Está criada a ligação, uma sensação de comunhão espiritual que nos eleva, de uma forma genuína.
E por mais comum que seja o facto de uma verdade díficil de lidar ser ofuscada por uma mentira interessante, nada apagará o que realmente é, enquanto que o último pingo de honestidade tratará de trazer o peso à consciência. Mais tarde ou mais cedo.
Que voltem penadas e arrependidas.

Por aqui, os olhares completam o que as palavras deixam por dizer enquanto que o inexplicável se expressa pela música e o silêncio.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Assim que me olhaste de relance conseguiste ler-me como um livro. E até hoje não te agradeci o facto de me teres provado como errada a ideia de que ninguém entendia a minha caligrafia.
Aquele instante acabou por se revelar bastante longo e só mesmo o pestanejar me lembrou que nem um segundo tinha passado.
Mas o que mais me impressionou, foi o teu sangue frio, quando vieste até mim e me perguntaste:
- Precisas de um editor?

sexta-feira, agosto 31, 2007

Divagação

E o dia seguinte foi muito meditativo.

Há duas formas de encarar as coisas: as drogas são más ou então, o aspecto que pouca gente quer encarar, determinadas drogas podem-nos ajudar. Não é que eu precise de ajuda. Mas gosto de me expandir. Eu não sou a favor de uma droga como a heroina ou a cocaina. Não vejo qualquer tipo de interesse em drogas auto destructivas. Não te fazem bem nenhum para alem de te destruir o corpo, entendes? Mas há coisas completamente naturais, que desde sempre foram utilizadas com um objectivo, que é tentar ultrapassar barreiras impostas no mundo real, baixar os niveis de serotonina e deixar a tua mente interpretar as coisas sem que tenham necessariamente que se encaixar numa sociedade ou num mundo.
E não querendo fazer de ti um fantoche, porque estás longe de ser isso, és como uma flor, nova, que ja está ciente de muita coisa muito antes de muitos outros e que com o cuidado certo, serás das mais interessantes de se ter no jardim. metáfora um bocado cheesy, mas suficiente.
É como se houvesse esta troca de informação da minha parte para a tua e vice versa que nos fizessem pessoas melhores, entendes?
é nestas conversas que eu sei que provavelmente so conseguiria ter com pouca gente, o que me dá uma vontade enorme de que as pessoas se conscienscializem disto. Que a vida não é só um emprego, mas que acaba por ter que ser! E que há muito mais capaz de nos elevar o espirito.
Não me refiro a drogas, mas ao conhecimento e á percepção, à abertura da mente pelas maneiras de pensar, agir, ver ou sentir.
E acho que é nesse ultimo sentido que falei, que as coisas se deveriam regir. mas acho impossivel neste mundo.

Talvez no proximo. who knows.

É dessas pessoas que tenho um pouco de aversão, por julgar o que não entendem e supostamente ter a verdade para tudo.
Do tipo: pão pão, queijo queijo.

Elas so vêem o pão e o queijo que tens.
São simples linhas rectas. Tu, o circulo com o pão e queijo


Tendo em conta que não gosto de queijo, faz sentido.
Ofereço sandes de raciocinios ás pessoas.

terça-feira, julho 31, 2007

A segunda pessoa do singular

Seguiste um rumo sem procurares qualquer um que fosse. Deixaste-te levar pela vontade. Fechavas os olhos com um sorriso quando aquele momento que todos ignoravam parecia queimar-te a alma de prazer. Muitas foram as vezes que paravas no tempo para te perderes no céu azul que observavas silenciosamente, quando não mergulhavas no nevoeiro de uma manhã adormecida ou te banhavas na chuva numa rua qualquer.
Drenaste tantas sensações que criaste o teu próprio aroma. Foste capaz de colorir as consciências mais cinzentas. Houve até uma altura que nem precisavas de acender o teu próprio cigarro.
Deixavas-te guiar pelos sons que te desenhavam as pinturas mais abstractas que este mundo conheceu e voltavas a ti serenamente. Num suspiro. E sorrias. Sentias com a alma quando te apaixonaste pelo vulgar. E o teu olhar transmitia a serenidade ausente em todos os que a procuravam. Acreditavas numa luta intelectual pela liberdade de sentir, que acabaste por espalhar no perfume que eras. Re-inventaste até o sentido das palavras. Foste o som, a cor e a essência num novo significado de sentir.

Mas um dia mentiram-te quando te confessaram a verdade que querias ouvir. A partir desse momento, nunca mais foste o que um dia fizeste de ti.

quinta-feira, julho 26, 2007

Passo a passo

Arrastem-me.
Chorem de tanto rir e continuem a arrastar-me.
Eu já referi a lua esta noite?
E os lampiões que se acendem quando sob eles passamos?
Iluminem o meu caminho e arrastem-me.
A estupidez tropeçou lá atrás.
Sintam-se livres de ser livres.
Contem-me aquilo que nunca ouvi.
E mostrem-me aquilo que eu nunca vi.
Ou criem tudo aquilo que ainda não senti.
Ofereçam-me sinceridade e compaixão que vos pago com a alma.
Porque eu mergulho em perfumes de cabelos e texturas de camisolas.
E deixo-me levar por caminhos que desconheço.
Que se foda o outro lado da estrada.
Eu vou neste porque assim o quis.
E continuem a rir, sem que os vossos olhos deixem de brilhar.

terça-feira, julho 10, 2007

O céu é azul

Não sei se o descobri hoje ou se simplesmente o azul está mais intenso. O que sei, que ao olho nu do céptico mal encarado parece desinteressante, é que hoje acordei, após vários anos podem bem ser simplesmente o meu primeiro minuto de vida, se é que algum dia nasci. Seguindo o raciocinio aparentemente pouco racional, nada nem ninguém me conseguirá garantir que tudo o que me rodeia não passa de criação que se desenvolve à velocidade do meu pensamento.
Existe um mundo, porque acho necessário haver um. As pessoas e as suas vidas, podem muito bem ser tramas que se desenvolvem numa parte do meu cérebro a que de momento não tenho acesso. O rádio, a tv e o jornal, vão mostrando tudo aquilo que secretamente imaginei e que decidiu chegar até mim no momento em que abri o jornal, liguei o rádio ou a televisão.
Mas até a merda dos dinaussauros devo ter inventado, para dar uma sensação de evolução natural. E para aqueles que gostam de encontrar um sentido nas suas vidas inventei a biblia ou qualquer outro livro que explique como supostamente chegámos até aqui.

O cérebro não é uma simples linguagem que nos permite identificar o espaço que o rodeia e interagir com ele. Num todo, em toda a sua complexidade e velocidade de processamento, é a fonte do que tudo existe e permite existir.

Por isso o céu parece-me mais azul e tudo o resto é uma novidade de energia e cor.

terça-feira, junho 19, 2007

Sem título

Temos literalmente o mundo nas nossas mãos e a menos que a confusão nos domine, podemos transformar tudo o que conhecemos em tudo o que precisamos.

A adolescência definir-se-á sempre pelo seu sabor agridoce. Pela primeira vez, desde que nos lembramos de nós mesmos, os nossos sentidos desenvolvem-se a um ponto intelectualmente fatal. As angústias que possam dificultar um acordar assim como o conforto de momentos estranhamente únicos vão desenhando abstractamente o nosso ser assim como o espaço que o rodeia. Existe uma invasão pelos mais variados tipos dores ou prazeres mas a única consequência significativa é apenas a ressaca espiritual. Na pele semeiam-se beijos, toques e lágrimas, mas é na alma que reside a verdadeira essência capaz de nos guiar ou destruir.
Somos o expoente máximo da liberdade, da loucura, da apatia e da espontaneidade; A única voz que se expressa com a intensidade que vive. Que conhece as longas noites, solitárias, de corpo e alma, onde o mundo parece ter levado toda e qualquer razão para que se lide com o dia seguinte, restando apenas uma ténue linha de vida capaz de fazer desesperar qualquer um. Assim como todas as outras onde as garrafas ficaram vazias, os risos ecoavam na praia deserta, no beco escuro, na sala desarrumada, com corpos suados, colados, cansados, restando apenas maços de tabaco vazios e adrenalina, que preenchia o espaço ao ritmo da música.
Num fim de tarde, com óculos de sol postos, ou num amanhecer com cheiro a verão, no nevoeiro cerrado numa rua de uma cidade qualquer, ou na chuva que ensopa sapatilhas, escreve-se poesia numa paz de espirito que preenche o ser de liberdade. Escreve-se poesia no simples caminhar de quem à primeira vista não vai a lado nenhum, mas no entanto se sente capaz de ir até onde quiser. Escreve-se poesia até num simples olhar que parece levar nele um mar de sentimentos e vontades. A juventude é a fonte genuína do sentimento, da pureza e da vida.
Esta é a era em que a cultura é feita por nós. Nós somos a cultura. Retratamos o que é ser e sentir em todas as artes.
A adolescência definir-se-á sempre pelo seu sabor agridoce.
E o seu travo estará sempre presente, até no nosso fim.


~ peter pan

quarta-feira, junho 13, 2007

E se todas as manhãs fossem como esta?

Se todas as manhãs fossem como esta, o mundo não faria sentido.
Padres deixariam de cobiçar a pele jovem e proíbida, políticos começariam a cumprir promessas, jornais teriam conteúdo e a hipocrisia seria apenas uma simples palavra no dicionário.
Se todas as manhãs fossem como esta, o mundo, definitivamente, não faria sentido.
Transportes cumpririam horários, direitos humanos seriam tomados em conta, esmolas mudariam a vida do mendigo e até sinais vermelhos seriam respeitados.
Se todas as manhãs fossem como esta, o mundo, não faria sentido.
Porque a felicidade no seu estado puro, num perfume que invadiria toda a cidade, tornar-se-ia na coisa mais banal e tomada como garantida.
Que se celebre hoje a vida na sua infinita maneira de se viver sem que a beata nos olhe com desdém.

sexta-feira, maio 18, 2007

Abre lá a merda da porta

Estava a fazer-se tarde, mas o ambiente acolhedor da sala teimava em prender os corpos agora lentos e cansados. Mas fervilhando vida. Fumava-se um último cigarro porque ele tinha que ir para casa. A televisão sem som, repetia vezes sem conta anúncios a facas de cozinha e a aparelhos musculares. Mais um serão se tinha passado naquela sala. As vozes, agora ausentes, davam espaço ao silêncio que parecia flutuar no ar em ondas que transmitiam um relaxar mental. Tocou na mão do corpo adormecido e saiu.
Outro dia alguém tocou à campainha.
É o pai natal - ironicamente anunciou.
Havia incenso que se deixava queimar na entrada quando a mulher abriu a porta. Ele trazia um novo álbum na mão e tranquilidade no olhar. Sentaram-se na pequena cozinha a falar sobre pormenores para muitos irrelevantes dos dias em que têm vivido, sorrindo e bebendo, para suavizar a garganta da nicotina. Haviam já luzes amareladas no céu ainda violeta quando o primeiro copo de vinho se encheu. Da janela ouvia-se o som citadino de uma baixa comum. Lá dentro no gira discos, rodava a shaman's blues. Mais um serão se avizinhava.
Agitadas, despreocupadas e alegres ou serenas, preocupantes e sentidas, discutiam-se opiniões e confessavam-se memórias enquanto os olhares traziam um conforto comum. Partilhavam as mesmas paixões com a mesma paixão. Ambos admiravam a presença que sentiam à sua frente nos seus bonitos e subtis pormenores. Visitavam o café da esquina ou bar da avenida, por mera curiosidade pela agenda cultural do mês. Voltavam a uma das casas para relaxar. Consumiam-se substâncias para as ocasiões certas. Para se abrirem portas fechadas em viagens ao subconsciente, alteração ou aumento de sentidos, ou simplesmente, para fugir ao tabaco. A música preenchia a divisão de tal forma, que parecia tocar nas paredes e chocar contra os corpos, deixando-os agitados e relaxados simultaneamente. As luzes ganhavam novas formas e outras intensidades enquanto o espaço físico perdia a sua noção racional. A consola de jogos ligava-se para sessões de risos compulsivos e séries televisivas eram vistas com interesse. Visitavam casas alheias tropeçando e rindo nos corredores, trazendo ou não, companhias. Viajavam na cidade adormecida, conduzindo ao som que lentamente criava imagens na mente alterada. Até a hora da despedida.
Abre lá a merda da porta - gritava ela ansiosa num tom de riso ao comunicador.
Sempre atrasado, vestia-se ele à pressa para um concerto ou para uma peça de teatro. Mas antes, uma ida à mercearia.
Era amor.
Eram amigos.

segunda-feira, maio 14, 2007

Visita

Um dia, o corpo despertou e decidiu guiar-se pelo desejo.
Abriram-se portas para realidades desconhecidas.
O pano desceu.
- Agridoce - disse a voz.
A praia estava coberta de corpos que se deixaram queimar.
Por cobardia.
- O mar desistiu. Mas culparam a lua.
E todo o planeta se tornou num lago.

Rostos familiares, bebiam o fim silenciosamente num jardim desconhecido.
O céu ondulava, como uma bandeira ao vento.
- Escolhe um rosto - Disse-me ela com o olhar.
E voaram no céu quartos vazios.
Senti na pele pequenos toques frios.
- Tinha saudades tuas - Disseram os lábios em silêncio na escuridão que os rodeava.
Permaneceu apenas o cheiro que relaxou o corpo.

Consciências cruzavam-se no corredor sem ínicio nem fim.
As paredes eram forradas com todas as palavras que existem.
- Diz-me quem fui - pediu o corpo sem vida estendido no chão.
Pouco a pouco os passos que se faziam ouvir desapareceram.
O silêncio que avizinhava o som sufocou a paciência.
- O próximo passo é teu.

As presenças escondidas invocavam a vontade que deixava o corpo cansado.
Como um íman de carga emocional.
- Mastigas-me?

Naquela mesa a essência feminina era mastigada sem pudor.

terça-feira, abril 10, 2007

Melodias de sentimentos pedrados em ácido

As portas abriram-se. E melodias de sentimentos pedrados em ácido percorreram a pele dos aventurados.

Ali estávamos nós, perante a dimensão conhecida pelo mito que se tornou. Foi como a descoberta de uma parte nossa por nós desconhecida, como um despertar de algo que esteve até ao momento adormecido. Talvez tenha sido isso e muito mais.

Tudo se torna possível. Porque não há barreiras para quem se quer sentir vivo. Mas vivos estámos todos nós, dizem em coro vocês.
E eu pergunto-vos: Estarão mesmo?

Alguma vez sentiram as estrelas a brilhar para vocês? Ou para o momento que estavam a viver? Ou o sol! A queimar-vos a pele, como a desafiar a vossa sanidade até que acabem por cantar uma música qualquer, a dançar em circulos e cairem no velho chão, engasgados em risos compulsivos?

Alguma vez sentiram memórias dentro de vocês que, curiosamente nunca viveram? Sentiram no vosso íntimo algo inexplicável que descontrolava a vontade de ser? De querer? De simplesmente ver, fazer, mesmo até foder? Já se sentiram guiados pela alma, pela música, pela arte, pela loucura da espontaneidade?
Pelo doce, doce sabor da loucura da espontaneidade?

Libertem essa carga eléctrica, façam com que não sejam simples memórias misteriosas e nubladas na vossa mente. Saiam à rua e vivam-nas em cada esquina, em cada apartamento que entrem sem saber de quem é, em cada baixa da cidade que visitarem, em cada bar, em cada praia vazia, em cada olhar, em cada corpo e em total empatia com o próximo.

Todos os dias, pela manhã. Todos os fins de tarde de sol, em qualquer lugar, todas as madrugadas, como se amanhã nunca chegasse.
Vivam um constante e intenso presente.

Lá fora há um mundo por descobrir e sentir, muito mais do que aquele que vemos quando saímos á rua.
A chave para sentir o mar de sensações que passa despercebido, como aquele ar que respirámos e parece encher-nos os pulmões de vida é contribuir com a nossa alma.

Se ainda tiverem uma.




AS PORTAS ABRIRAM-SE
E MELODIAS DE SENTIMENTOS PEDRADOS EM ÁCIDO
PERCORRERAM A PELE DOS AVENTURADOS!

quarta-feira, janeiro 10, 2007

A preciosidade do intelecto

As velas iluminam a sala e o incenso queima sem parar. Lá está ele sentado num canto da sala, enquanto todos falam. No chão, num cobertor, de cigarro apagado já na mão. Existem copos vazios da noite anterior, assim como garrafas de vinho também. Maços sem tabaco, pratos de esparguete mal comidos e dezenas de beatas das mais variadas substâncias.
Levanta-se e veste o casaco do avó e sai porta fora. Caminha entre corredores vazios mais velhos do que ele, preparando-se para abrir daquelas portas enormes que já não se fazem mais.
- Espera!
- Sim.
- O que tens?
- Nada.
- Saiste porta fora. O que aconteceu?
- Tenho que sair.
- Voltas?
- Claro.
Mal a porta fecha, escondendo a imensidão de espaço que existe lá atrás, a luz de um dia cinzento da baixa prende o olhar. Este passeio velho quer ser caminhado, para qualquer lugar, entre centenas de casas velhas ou até abandonadas, estreitas e com as suas janelas características. Os cafés vazios e pouco conhecidos não precisam de encher para contar as longas histórias que possam ter. Ninguém repara em nada nem ninguém. Só existem ruas de pedra, estreitas e iluminadas por um céu cinzento que criam as sombras perfeitas de uma cidade dotada de uma beleza que ninguém entende. Acende-se o último cigarro e dos ouvidos fazem-se ouvir as guitarras e melodias da prison sex.
E inesperadamente, tudo parece fazer sentido.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Tenho uma história para contar

Tenho uma história para contar sobre um rapaz que nasceu numa aldeia nos anos 80, que se tornou vila nos anos 90. Local que mais tarde costumava apelidar como "o fim do mundo".
Foi criado pela avó desde criança e desde pequeno teve as suas aventuras de cair de sítios relativamente altos até levar com um prato na testa quando desprevenido a mãe lhe disse para apanhar. Não havia muito para fazer nem muito para onde ir. Os pais gostavam de vesti-lo de marinheiro ocasionalmente. Deve ter ido a umas 50 excursões para vários locais de Portugal com a sua avó, onde ficavam os dois a dormir uma ou duas noites em sitios diferentes. O ritual era sempre o mesmo: acordar sempre as 4 da manhã e apanhar o autocarro com os amigos dela. E aos 5 anos, quando ainda ria com a família e a beijava, ameaçou ir embora e pegou em alguns brinquedos e chocolates, embrulhou-os num pano e amarrou-o a um pau, partindo lentamente para a floresta que existia a poucos metros da casa dele enquanto os pais lhe diziam adeus, rindo-se da figura dele. Desde pequeno sempre teve um primo que morava ao lado e um amigo que lhe também lhe era meio primo. Tornou-se próximo do seu meio primo de tal maneira que ora um, ora outro, passavam tardes inteiras na casa um do outro a olhar para uma televisão onde se jogavam jogos que, ora amuava um, ora amuava outro. Quando entrou para a primária ficou numa daquelas turmas enigmáticas que todos eram capazes de se destacar de qualquer forma. Só levava réguadas quando tirava suficiente em vez de bom e daquela vez que, lembrando-se de um desenho animado sobre baseball, estava a atirar pedras contra a parede e alguém se lembrou de passar a correr na trajetória da pedra que já ia lançada no ar. E viu sangue por todo o lado.
Não criou nenhuma relação em particular com ninguém que conhecera na escola, nem aqueles namoros queridos onde só é preciso dar a mão. Já no ínicio do básico conheceu um rapaz que veio de Angola e outro da outra ponta da vila e, contando com o seu meio primo, os quatro iam juntos para todo o lado e passavam bastante tempo a jogar futebol. Tendo em conta que permaneceram todos na mesma turma durante anos, esse quarteto manteve-se junto quase que inconscientemente. Bastava tocar para fora e iam os quatro para algum lado, não alienando o resto das pessoas existentes. Ia com o seu meio primo todos os dias para as aulas, desde a primária, entravam na mesma paragem de autocarro e iam embora sempre os dois. Coisa que se manteve como algo diário até ao seu 11º ano escolar. A meio do básico, como o dinheiro não era muito e não havia leitor de cds em casa, pedia a outras pessoas para lhe gravarem cassetes de bandas que tinha curiosidade de ouvir como Metallica ou Offspring e longas tardes se passaram deitado no sofá enquanto ouvia sempre as mesmas músicas. E deixou de ouvir os vinyls do pai dos Passarinhos a bailar, Pink Floyd e hits dos anos 80. Nunca andou á porrada com ninguém, mesmo quando havia todo o tipo de gozo ou ameaças sobre a sua pessoa. Ganhou uma vez um concurso de flauta e recebeu como prémio uma harmónica, por mais irónico que pareça. Os dias, esses eram passados, ora na escola, onde as aulas eram algo que umas vezes mais que outras passavam rapidamente, e o intervalo era sempre ocasião onde acontecia sempre alguma coisa, ora em casa matando tempo.
Já em casa, comia, dormia e pouco falava, porque com o tempo, foi perdendo a capacidade de demonstrar qualquer tipo de afecto ás pessoas, sobretudo quando os pais discutiam semana sim, semana não, ao ponto do próprio pai não ir trabalhar quando mais se precisava de dinheiro. E isso baralhava-o bastante mesmo que não levantasse nenhuma pergunta a alguém. A avó, que morava ao lado do rapaz, ia começando a ficar doente e ao mesmo tempo o pequeno não a abraçava ou se sentava no colo dela como outrora fazia. A avó chegava-lhe a perguntar se ele já não gostava dela e chorava enquanto ele lanchava, não lhe dizendo uma palavra. Diversas vezes. Coisa que o iria perseguir mais tarde.
O quarto tinha uma alcatifa azul e era bastante pequeno. Levou muitos estalos enquanto escondia a cabeça na almofada naquela cama velha pelas asneiras que costumava fazer ou pela maneira que simplesmente era. Mas esse mesmo quarto com o tempo serviu como lar ao seu primeiro felino. A chica. Uma gata dada por um amigo da mãe e que adorava dormir aos pés do rapaz. Passaram uns bons 3 anos os dois colados. O dono chegava encantado a casa para ficar abraçado e dormir com a gata e ela não se fazia de difícil. Gostava de subir para o armário porque tinha medo de relâmpagos, era alvo de constantes tiros de vizinhos que chegaram ao ponto de lhe cegar um olho. E um dia morreu. Sendo talvez a primeira coisa mais triste que ja tenha sentido.
O rapaz foi crescendo, sem muita confiança com alguém, somente com as pessoas que o conheciam de infância e mesmo assim nunca lhes confessou como gostava da companhia deles. Não porque não quisesse ou se julgava melhor que todos os outros, mas com os seus 13 anos, assim como mais tarde, pensava sempre que não havia muita gente que era capaz de querer realmente estar com ele, porque quem conhecia só estavam porque conheciam alguém que ele conhecia.
Descobriu o sexo tão rapidamente assim como o esqueceu. De tal modo que à medida que a idade ia aumentando, o rapaz ia pensando se gostava realmente de raparigas, sobretudo quando toda a gente que o rodeava já tinha tido mais do que uma espécie de namorada e ele nunca sequer tinha ponderado semelhante coisa. Era algo que não lhe passava pela cabeça. Até ao dia que uma rapariga que nunca tinha reparado que existia disse que o queria conhecer. Mesmo assim, a vontade de ter que passar os intervalos com alguém que não conhecia de lado nenhum, sobretudo uma rapariga, na qual a sua definição eram pessoas que riam enquanto diziam que ele precisava de se alimentar, não era muita, ao ponto da rapariga ter que combinadar hora e local para tentar beijá-lo e ele não ter ido. Assim, o tempo levou o interesse da rapariga embora.
As pessoas com quem passava o tempo iam conhecendo outras pessoas e o rapaz ia ficando no seu espaço que se tornou de tal maneira grande que pela primeira vez reconheceu que todo este tempo tinha andado sempre um pouco sozinho. Mas toda a gente tinha uma opinião diferente sobre ele. Ora era estupido, ou simplesmente estranho. Simpático ou apenas calado. Mas todos tinham uma opinião que ele era incapaz de dizer qual a certa ou a errada, tornando-se aquilo que era para os outros.
Já no fim do básico, mostrava interesse na disciplina de história porque a professora gostava de brincar com ele e o seu colega de mesa, o rapaz do outro lado da vila que conheceu quando entrou para aquela escola. Algumas pessoas que conheceu na primária ficaram para trás e outras novas entraram. Mas no fundo, nada tinha mudado. E quando entrou para o secundário o seu meio primo continuou na sua turma. Os outros dois amigos foram para turmas diferentes e todos costumavam encontrar-se no intervalo da nova escola. Era tudo novo mas de alguma forma desinteressante. Conheceu outra pessoa que mostrou o minimo interesse em falar com ele que curiosamente morava perto da sua casa, mesmo que no fim esse amigo se tenha mudado com a familia para angola, perdendo o contacto com ele para sempre. Até ao dia que recebeu uma carta com 40 doláres para comprar e lhe enviar alguns cds, coisa que nunca chegou a fazer, mesmo que tenha comprado os cds e com um peso na consciência deixou o tempo passar e os cds por enviar.
Naquela altura, o rapaz conheceu uma rapariga que falava com ele sempre que podia e pela primeira vez o rapaz foi mantendo contacto com uma pessoa do sexo feminino. Ele ouvia os problemas que lhe eram apresentados e ajudava no que podia, sem qualquer das intenções. Mas um dia recebeu um beijo. Poucos dias se passaram, mas o rapaz deslocou-se á cidade da rapariga a pedido dela no dia dos namorados e com ele levou uma pequena lembrança. Nesse dia, após o reencontro e uma troca de lembranças, estavam a tentar entrar numa discoteca qualquer juntamente com duas amigas da rapariga, apareceu um grupo de rapazes que os levaram para um sitio onde conseguiram entrar. Lá dentro, a rapariga que o rapaz beijou, disse que não queria nada com ele e foi para outro piso com um dos rapazes do grupo que tinham conhecido e passou a noite com ele. Foi uma longa noite onde o rapaz ganhou um certo medo a raparigas.
As semanas seguintes, foram passadas em silêncio total mesmo até com o seu meio primo, pelo choque de tais acontecimentos que só o fizeram pensar como realmente conseguia ser desnecessário. Os pais conseguiram arranjar dinheiro para um computador e não tardou até que o rapaz descobrisse a internet e toda a música que conseguia imaginar. Ao mesmo tempo, na sua nova escola, conheceu outro rapaz de outra turma, descontente com o que estudava e enquanto os dois faltavam a aulas repetetivamente, resolveram os dois voltar para o 10º ano estudar a mesma coisa.
Foram tempos diferentes onde conseguiu conhecer outra pessoa com aspectos em comum sobre coisas que ia adquirindo e mesmo não estando na mesma turma que o seu meio primo, não o impedia de combinar passar tardes inteiras na casa dele nem que fosse só a falar.
Nesta altura da adolescência, o rapaz não mantinha qualquer relação com as pessoas que viviam em casa dele e como um bloqueio, via-se incapaz de mudar seja o que fosse, mesmo que tal coisa o prejudicasse como prejudicava. A sua mãe encontrou um gato já crescido na rua que costumavam chamar tareco. E a casa do rapaz foi o lar do gato durante um mês. Tempo que o gato aproveitou para comer e dormir durante o dia. Durante a noite saía e só aparecia ás 9 da manhã. O Tareco tinha uma postura tão independente que nem uma festa deixava fazer no seu pêlo branco. E no final do mês, após umas lutas com os gatos vizinhos, nunca mais voltou.
O rapaz, com o seu meio primo, foi descobrindo as belezas do álcool e como esta e aquela bebida eram capazes de, por vezes fazer esquecer tudo de errado que com o tempo ia pensando sobre ele mesmo e tudo o resto ou que por vezes, ou em certas alturas, reflectir seriamente sobre a vida que até ao momento não tinha começado realmente a viver.
Desenvolveu o gosto pela música e a escrita. Ao ponto de querer ter vivido nos anos 50 e ter conhecido ou até viajado com o Kerouac. Comprou uma guitarra eléctrica usada, na altura, por 18 contos, mas só meio ano mais tarde lhe deu uso, quando teve dinheiro para comprar um amplificador, começando a tentar aprender sozinho. Já nessa altura, o rapaz conheceu uma rapariga que o tempo lhe mostrou como gostava de falar com ele. Despercebido e talvez um pouco parvo, o rapaz nem se apercebia a vontade que a menina com quem falava tinha de estar com ele. E só foi capaz de descobrir, quando uma vez, numa sessão de cinema que nunca mais foi capaz de esquecer, a rapariga frustrada perguntou se podia dar-lhe a mão e os dois lentamente e suavemente foram descobrindo a pele suave de ambas as mãos. Por momentos foi capaz de esquecer qualquer má experiência e só se sentiu absorvido pelo cheiro da pessoa que inesperadamente lhe ofereceu os lábios num momento tão único que mais nenhuma história será capaz de contar. Foi a partir desse dia que os dois começaram a acordar pela manhã sorridentes. O rapaz acordava pela manhã com uma paz que nunca tinha sentido desde que se lembrava dele mesmo. Era como se as ruas que ele se fartava de caminhar desde sempre tivessem novas cores, quando se lembrava dos olhos que o olhavam com tanto carinho. Por mais cliché que lhe pudesse soar, sentia-se alguém, como se lhe tivessem encaixado uma peça que nunca tinha encontrado, sentia-se completo, talvez por sentir pela primeira vez algo que nunca tivesse sido capaz de sentir nem por ele próprio.
E vieram as sessões de cinema intermináveis e os longos passeios a pé onde por vezes se perdiam objectos que o rapaz insistia em procurar e dá-los como surpresa no dia seguinte. Vieram umas férias inesqueciveis, onde tanto o rapaz como a rapariga ficaram longe de tudo e todos e viveram durante um mês numa aldeia feita de ruas de pedra, estreitas, por onde passeavam á noite, depois de um jantar a dois. A vida do rapaz tinha um sentido e de repente era tão bom sair á rua, como adormecer sabendo que não estava sozinho. Sentimentos que o levaram a pensar e sentir as coisas mais loucas. Desde a perceber como também provou o amor que nunca tinha visto em lado algum, finalmente tinha-se sentido sexualmente atraído por alguém. E era tudo o que queria. E isso manifestou-se de todas as formas possiveis. Desde a um simples olhar a um simples toque, sempre na esperança que fosse o suficiente para dizer o que muitas vezes é mais bonito de se dizer sem falar. Convenceu até o seu meio primo e o rapaz que mudou de turma com ele a irem com ele á porta de casa da rapariga segurar um lençol com letras enormes enquanto o rapaz esperava a rapariga na escola dela, no seu dia de anos. E por mais lamechas que pudesse parecer, não havia nada melhor do que ver aquele sorriso na cara dela.
Mas ao mesmo tempo, a avó do rapaz foi tornando-se cada vez mais doente. Ao ponto de já nem conseguir falar ou sequer mexer. E não houve pior coisa para ele do que vê-la na cama de um hospital a olhar fixamente para quem á anos que não mantinha uma relação como outrora manteve. E chorava, sem dizer uma palavra que fosse enquanto a mão dela tentava apertar a dele com aqueles olhos que mal pestanejavam, como se estivesse a tentar dizer alguma coisa. O rapaz sentiu-se um nada sendo incapaz de dizer uma simples frase, demonstrando qualquer tipo de carinho. E afectou-o de tal maneira não controlava a sua reacção perante o dia a dia. E simultaneamente, a rapariga que tanto o completava, sentia-o cada vez menos, mesmo que no fundo ele sentisse tudo o que sempre sentiu e acima de tudo ajuda, mesmo que não lhe confessa-se seja o que for. E ele refugiava-se em qualquer coisa que fosse capaz de o ouvir. Até que ela decidiu ir embora. E levou com ela todos aqueles anos. Como se alguém, calmamente caminhasse até um muro de memórias que o tempo construiu e com um sopro, o derrubasse. Para melhorar a situação, o episódio repetiu-se, mas desta vez viu alguém que lhe era realmente alguém virar costas praticamente na troca por outra pessoa. E não adiantava chorar ou gritar, porque ninguém ia entender. Mas nada o impediu de fazer tudo isso e muito mais. Passado uns meses, já com ambas as pernas amputadas, a avó faleceu. E o rapaz sentiu sob ele a pior das angústias e desesperos, sobretudo quando nunca, nunca foi capaz de confessar como gostava dela, quando ele sabia que ela merecia tanto ouvi-lo. Pela primeira vez, o rapaz viu pessoas que nunca tivera visto chorarem, como o seu avô ou o seu pai, até o seu tio mais novo. A mãe não conseguiu ir ao funeral. E os dias que se seguiram só aumentaram o vazio que o amor que o rapaz perdeu já tinha aumentado. O rapaz tinha todas as razões e mais algumas para se sentir a pior coisa que podia existir.
Lentamente, mas nunca deixando de sentir diariamente tudo de errado que havia para sentir, o rapaz foi lidando com o dia a dia. Os despertares sorridentes foram substituidos por outros piores que outrora podiam ja ter existido e as noites pareciam não ter fim. Porque tentava-se fugir ao dia dormindo e a noite passava-se em branco. A rapariga voltou, com algumas dificuldades, trazendo de novo aquele sentimento que misturado com a presença, o cheiro e o toque o fazia sentir em casa. Mas por pouco tempo porque mais uma vez, viu-se sem ela. E foi talvez ainda pior. Viu-se sozinho e vulnerável de novo, incapaz de mudar seja o que fosse, porque se dependesse dele, as coisas voltariam a fazer sentido.
Poucas semanas depois, conheceu um rapaz que apenas conhecia de vista da sua escola. E a empatia foi tal que não tardou um apoiar-se no outro, fosse em que assunto fosse, ao ponto de partilharem a mesma cama durante os fins de semana e as noites fossem sinónimo de abstração do inevitável amanhã. Os dois não procuravam alguém ou alguma coisa, talvez apenas um sitio. Para lá ficarem a divagar sobre tudo o que os levou até ali. E ora choravam, ora riam sem parar.
Foi então que o rapaz adoptou mais um gato, que apelidou de Bob, um recém nascido com um mês que mal se conseguia alimentar e nem a miar tinha aprendido. E foi crescendo, acompanhando o rapaz nas suas noites sem sono, sendo mais do que uma boa companhia.
Passado um tempo, um primo do meio primo do rapaz, despertou-lhe o vício pela pesca e foram muitas as tardes que aqueles dois passavam em frente a um pequeno rio nas muitas florestas da vila. Algumas pessoas ouviram dizer que o rapaz tinha aprendido a tocar guitarra e surgiu o convite dele, pela primeira vez tocar com alguém. E assim foi, entre barracas de coelhos e galinhas, o rapaz caminhou até uma sala improvisada com bateria e baixo, instalando a guitarra e o amplificador para de vez em quando fazer algo que lhe dê realmente gosto fazer. Até um dia que o meio primo do rapaz ficou no hospital. E entre as muitas visitas que o rapaz fez, sempre rindo e tentando dar boa disposição ao seu meio primo que lhe pedia sem parar para lhe fazer crepes, na semana do seu aniversário, o seu meio primo desapareceu. Foi quase impossível de acreditar que tal coisa tivesse acontecido, tal pessoa que conhecia tão bem o rapaz tivesse desaparecido. A única pessoa que o rapaz conhecia desde que se lembrava dele mesmo. E no dia do aniversário do seu meio primo, enquanto caminhava, carregando o seu meio primo lentamente, o rapaz chorou desesperadamente em frente de todos o que o conhecem de vista desde pequeno, enquanto via o seu meio primo que considerava um irmão de uma maneira que nunca sonhou poder vê-lo. Seguiram-se os pesadelos constantes, juntando-se aos da sua avó também. De conversas, de simples sorrisos e daquele peso no peito pelas únicas pessoas que viram verdadeiramente o rapaz crescer.
Desde então o rapaz percebeu que talvez, por tanta ânsia de viver, talvez já tenha vivido ou sentido mais do que consegue suportar e desde então tem passado os dias, só. Assim. Sem viver. Apenas tão mentalmente cansado de toda uma rotina tão dolorosa que as dores se manifestam fisicamente. Sentiu tudo o que alguma vez quis fugir.
E como todas as histórias têm um fim, esta deveria ser a altura para tal.